Caronte era o barqueiro que transportava os defuntos na travessia do rio Styx para o reino de Hades, deus dos mortos e do submundo na mitologia grega. A troco da viagem, os defuntos deveriam pagá-la com uma pequena moeda, o óbolo.
Este ritual que provém da mitologia greco-romana, ressurgiu durante a Baixa Idade Média, após a Igreja católica ter introduzido no cânone o conceito de Purgatório, no Segundo Concílio de Lyon, em 1274.
As crenças pagãs do mundo greco-romano e as crenças cristãs concebiam a Vida Eterna e a salvação da Alma através do Juízo Final. Contudo, enquanto que a tradição greco-romana concebia um destino final para todos, o mundo cristão não definira o destino das almas das crianças não batizadas, dos pagãos e daqueles que tinham sofrido uma morte prematura e violenta sem antes terem expiado os seus pecados.
A criação do conceito de Purgatório e a perspetivade um Limbo e do Inferno, terá feito ressurgir na Península Ibérica o óbolo de Caronte. Este era encarado como um donativo para que os cristãos pudessem alcançar a vida eterna e assim expiarem os seus pecados. Esta prática terá perdurado até ao século XVII.
O funeral era um ato público, uma cerimónia oficiosa com cortejo fúnebre, velas e orações. No centro da celebração estava o defunto, que entregava a Alma a Deus e o Corpo à terra. O destino final do corpo deveria ser acautelado pela Igreja e pelas confrarias religiosas que o preparavam para as cerimónias fúnebres, conforme o que o defunto havia pré-definido, e era colocado num ataúde (caixão) ou sepultado diretamente num covacho. À família competia perpetuar os rituais cristãos para a salvação da Alma através de donativos e orações.
Na necrópole de Sarilhos Grandes, dos 21 enterramentos exumados, apenas um tinha o óbolo de Caronte, tratava-se de uma criança com cerca de 6/7 anos. Na mão direita conservava um ceitil de D. João III. Terá a mão direita um significado especial? Estaremos nós perante um ritual que perdurou continuamente na tradição popular ou foi apenas um ato isolado para a salvação da Alma?
O projeto SAND pretende estudar mais aprofundadamente estes rituais funerários, pelo que a concretização de uma nova escavação arqueológica será fundamental para esclarecer estas questões.
In Between Paganism and Christianity. The Obolus of Charon.
Charon was the boatman who transported the dead during the crossing of the river Styx to the kingdom of Hades, god of the dead and the underworld in Greek mythology. To pay for the trip, the deceased gave a small coin, the obolus.
This ritual, that originates from Greco-Roman mythology, resurfaced during the Late Middle Ages, after the Catholic Church introduced the concept of Purgatory into the canon following the Second Council of Lyon in 1274.
The pagan beliefs of the Greco-Roman world and the Christian doctrine conceived Eternal Life and the salvation of the Soul through the Last Judgment. However, while the Greco-Roman tradition conceived a final destination for all, the Christian world failed to define the fate of the souls of unbaptized children, the pagans, and those who had had a premature and violent death without atonement for their sins .
The creation of the concept of Purgatory as well as the perspective of Limbo and Hell(?), contributed to the resurrection of the obulus of Charon in the Iberian Peninsula. The oblation would be a way for the Christians to attain eternal life through a gift and thus atone for their sins. This practice lasted until the seventeenth century AD.
The funeral was a public act, an unofficial ceremony involvingfuneral processions, candles and prayers. In the center of the celebration was the deceased, who gave the Soul to God and the Body to earth. The final destination of the body should be guaranteed by the Church and the religious confraternities that prepared it for the funeral ceremonies, according to the deceased’s wishes, and was placed in a coffin or buried directly in a pit. The Family was responsible for the implementation of Christian rituals ensuring the salvation of the Soul through donations and prayers.
At the Sarilhos Grandes cemetery, only one of the 21 exhumed burials, included the Charon obolus, belonging to a child of about 6/7 years old. In his right hand, this child held a ceitil of King John III. Didthe right hand have a special meaning in this? Are we dealing with a ritual that endured in the popular tradition or was it merely an isolated act aiming at the salvation of the Soul?
The SAND project intends to further study these funerary rituals, and ta new archaeological excavation will be fundamental to clarify these questions.
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